viernes, septiembre 22, 2006

Tudo entupido

Ontem à tarde, devido a uma gripe maldita que quase virou pneumonia e roubou o meu suposto bem-estar cotidiano, eu tive que ficar de cama, no meu quarto, sozinha. De cama porque não estava me aguentando em pé. No meu quarto porque é o único lugar do mundo que é realmente meu. E sozinha porque nessas horas é melhor ficar só mesmo. Ninguém quer ficar perto de alguém que está doente. Ninguém quer ficar perto de alguém que está sofrendo, ou que não anda de muito bom-humor. E não quer com certa razão. É chato mesmo. Alguém doente, alguém que sofre, alguém de mau-humor lembra que a vida não é perfeita. Lembra que as gripes acontecem, que as coisas ruins acontecem, que a gente é nada perto de um vírus minúsculo ou de uma minúscula situação adversa.

Ouvi dizer que a gripe são lágrimas não choradas. Acho que já disse isso aqui. Fiquei pensando que eu precisava aprender a chorar um pouco mais. Só eu sei como tenho tido vontade de chorar. Chorar de desgosto, de decepção, de mágoa, de saco cheio mesmo. Chorar por chorar. Chorar pelas coisas ruins que estão acontecendo e pelas boas que não acontecem nunca. Chorar e mandar todo mundo ir à m.... Chorar e tomar atitudes raivosas. Chorar de melancolia, de saudade... De dor na coluna. Mas não dá tempo. Não dá tempo de chorar. Não dá tempo de perceber o que me contraria, o que me magoa, o que me decepciona tanto. Aí essa minha incapacidade de chorar acaba virando gripe. Eu tenho que ficar gripada pra pensar nessas coisas. E é nessa hora que eu acho que a gripe nem é tão ruim assim. Um nariz entupido é fichinha perto de um coração apertado. Se para resolver uma coisa preciso passar pela outra... Avant.

Mas isso tudo não é importante, isso tudo passa - a gripe, o mau humor, as pessoas e eu, com meu coraçãozinho apertado. O que não passa é a poesia do Carlos Drummond de Andrade, impressa num livro de páginas amareladas que eu não abria faz tempo - perdi o bonde e a esperança; volto pálido para casa. Não passa a música do Chico que eu coloquei baixinho pra tocar - a vida é sempre aquela dança aonde não se escolhe o par; por isso às vezes ela cansa e senta um pouco pra chorar. Não passa o solzinho que entrou discreto pelas frestas da janela e deixou tudo mais aquecido e aconchegante, e me deu um sono profundo... Sem sonhos, sem pensamentos, sem interrupções - só sono. Eu queria é isso mesmo. Sono... Muito sono. E tempo pra dormir. Como a gente dorme depois que chora até os olhos ficarem inchados.

Quando estou doente, ou triste, eu me lembro deles. Dos poemas, do Chico, do solzinho discreto e quente. Eles funcionam como a injeção química e forte que me deram de manhã. Me curam. Me aquecem. Me acalmam. Me ensinam. Me ajudam a levar a vida. Eles entram em mim como a fumacinha da inalação. Vão descongestionando tudo. Deixam o peito mais leve. E a existência mais tranquila.

Demorei a procurar o médico. Sempre demoro. Sempre acho que posso resolver tudo sozinha. Mas não posso. Chega uma hora que preciso das injeções e da poesia da vida pra me ajudar. Engraçado isso. Mesmo sem querer, acabo escolhendo pra mim o caminho mais difícil... O caminho da dor.

E hoje, vírus e decepções quase vencidos, me deu vontade de escrever sobre a vida, mas eu não sei bem o que dizer. Acho que o que eu queria dizer é que a vida não é fácil. Não é fácil ter que trabalhar todos os dias só pra ganhar uns trocos. Não é fácil ter que conviver com os altos e baixos daqueles que me usam conforme as necessidades deles e não se lembram de retribuir e nem agradecer por nada - e ainda reconhecer essas pessoas como amigos, parentes, amados, aceitando as limitações de todos eles. Não é fácil ter que fazer escolhas, ter que pagar as dívidas, ter que comprar remédio, ter que me privar de tanta coisa, resolver tanta coisa, pensar em tanta coisa. Não é fácil perceber que não sou dona do meu tempo, da minha vida, do meu dinheiro... De nada que eu pensava que era meu. Não é fácil pedir pra me amarem sufocando milhares de sonhos e impulsos para manter uma rede imensa de relacionamentos que, no fim, eu nem sei até que ponto são verdadeiros. Principalmente, não é fácil saber exatamente o que tenho que fazer para ficar melhor e, por uma estranha preguiça e desânimo crônicos, acabar não fazendo. Não é fácil não ter planos para futuro. Não é fácil. Não é mesmo. Nem eu mesma sou fácil. Aliás, sou dificílima. Só estou aprendendo a me mostrar mais como eu sou. E, que surpresa... Nem todos gostam do que vêem. Talvez nem eu.

Eu não sou a única. Não é fácil pra ninguém. Eu sei disso. Mas isso não torna as coisas menos complicadas pra mim. De narizes entupidos e corações apertados, cada um entende dos seus. Nem adianta tentar me convencer do contrário.

Nessas horas em que dá vontade de falar sobre a vida, eu posso preferir ficar gripada mais um pouco. Procuro pela dor, como quem passa a língua numa afta, aperta um dedo com unha encravada ou tira a casquinha de um machucado. Não existe dor gostosa. Mas também não existe dor que não te deixe mais forte.

Nem sei se é bom ser tão forte assim. Talvez eu precisasse ser mais frágil. Quem sabe assim alguém ia cuidar de mim.

5 comentarios:

Anónimo dijo...

Marce, querida, uma das maiores crises dos últimos tempos, na minha vida, passou por todas essas reflexões que vc fez nesse texto tão comovente. E aconteceu no início desse ano. Ali por janeiro / fevereiro. Claro que cada um encontra uma solução, uma fórmula de efeito analgésico, secativo e curativo para o coração. Mas, de qualquer modo, compartilho com você o que me ajudou a superar esse momento punk. Em vez de esperar ser levada no colo por quem eu esperava que o fizesse sem precisar pedir, eu passei a dizer (quase morrendo a cada vez...) o que esperava das pessoas que me rodeavam. A pedir ajuda, a pedir colo. De algumas, continuei não tendo a acolhida que esperava. E para essas fiz questão de dizer quanto doía não poder contar com elas, o quanto era caro o preço de ser forte. Já de outras, fui docemente surpreendida, tamanho o aconchego que encontrei. E por elas a minha força se renovou, nasceu de novo, se mostrou indispensável. Enfim, cada um de nós encontra seu caminho, que, de qualquer modo, é sempre de crescimento.

Anónimo dijo...

Oi Marce, que saudades de ler frases tão bem escritas...
Amei o texto!
Ahh.... se eu pudesse ficava com vc qdo vc está dodói e de mau humor... quero muito cuidar de vc, com colinho, com carinho...
Melhoras. e beijos, muitos, bem grandões. E um espacinho nas frestas de sol do teu quarto.
É pra isso que servem os amigos.
Beijos... TE AMO!!!

Anónimo dijo...

Chuif... eu chorei ao ler... Podia?
Se não podia, já foi... eu te acho tão forte, tão forte... e ler vc assim, dói... Queria poder te ajudar ,como vc me ajuda com suas palavras...
Beijos!!!!!!

Anónimo dijo...

..é, eu também não sei se é bom ser forte...nem sei se sou frágil...concordo contigo..eu também sou dificílima..ou não, dizem que eu que transformo as coisas.. Tudo é tão simples,segundo os outros...bom...vontade de chorar...
bjos,seus textos são ótimos e sempre caem como uma luva em mim!

Anónimo dijo...

por onde vc anda? será que vc foi abduzida?