domingo, julio 15, 2007

O Ventilador II

O vento vai entrando pela janela de nossas completas solidões, revirando as lágrimas nos olhos, lembranças já choradas, casamentos mertamorficados e delírios vagos. Ele desnuda a gente e nos revela como realmente somos: feitos de pele, ossos, ilusões e ferrugem. Nos desesperamos fechados num quarto escuro que só assusta a nós e uivos entram pela fresta da janela, por baixo da porta, pelo buraco do ar-condicionado tampado com filetes de madeira. Nós descobrimos que nenhuma das músicas eternizadas são eternas, nem as cisternas d’água duram pra sempre. Somos poços artesianos que secam. E a hélice gira quase que nos arrancando os lençóis e sonhos, antes tão bem sonhados, então acordamos pra vida. Percebemos que nossos abstratos são ridículos, impossíveis, estranhamente estáticos, quase indeléveis. Nossas atitudes ficam presas em nós como se estivéssemos carregando cruzes, ou âncorados num retardado retrocesso. E vamos repetindo erros, repetindo atitudes impensadas, lutas inúteis, mutações bizarras de emoções. Vamos aumentando os ventos até se tornarem furacões e passamos a destruir carros, calçadas, casas, corações, lustres, luas, sombras e almas, enquanto andamos.

Deduzimos sempre estarmos no caminho certo, no futuro certo, até na hora certa e nossas metáforas são nulas diante da nossa própria hipocrisia. Somos os mesmos cretinos do ano passado, as mesmas mentes perigosas do ano anterior, os mesmos bossais antiquados cuspidos desde o nascimento. Então paramos, juntamos nossos cacos erodidos pelo tempo e modificamos pra valer o que tinha sido quebrado. Colamos farelo por farelo. Repintamos tudo para não só remendar. Tomamos sol para a pele clarear, tomamos cálcio pros ossos aguentarem a labuta, enchemos nosso peito de força e vamos à luta. Rearrumamos as nações cabidas em nossos olhos e hipervalorizamos nossos sonhos, castelos, futuros. Tomamos posse do manche do barco que nos levará pra depois da tempestade e só de coragem nos alimentamos. Nenhuma ventania pode nos parar, só nos empurrar pra frente assoprando nossas velas. Então depois que o agora nos reduzir medos, mentiras e mesquinharias, conseguiremos alcançar o inexplicável. Amando mais, sorrindo mais, voando mais alto. Na velocidade do ventilador.

1 comentario:

Anónimo dijo...

Belas palavras Marcela!

O importante é sempre alcançar, que seja o explicável ou o inexplicável… nem que seja na velocidade do ventilador.

Beijos!